sábado, 6 de março de 2010

Gota d´água

Eu devia ter vergonha e escrever quando a memória ainda está fresca. Não que não esteja, mas seria melhor se eu escrevesse quando realmente tivesse a vontade. Novamente sou levado a escrever por algo que durou pouco mais de 20 segundos. Acho interessante fazer uma cena do cotidiano se tornar algo que merece atenção e estudo. E, claro, novamente a história que eu conto aconteceu durante o trabalho.
Era uma bela manhã de quarta-feira, esta do dia 3 mesmo. Passava de meio dia e meia. O sistema de entrega no mercado é claro: depois do meio dia o portão é fechado. O fiscal que cuida do portão vai almoçar. Quem ficou trancado há de esperar a boa vontade do fiscal em voltar e abrir o portão. Havia um pequeno caminhão parado em frente ao portão. Estava ligado, pronto para sair a qualquer momento, esperando anciosamente pela abertura do portão. O motorista aguarda até que inconformado, finalmente surta, chega ao seu limite da paciência. Parecia um clássico esteriótipo de filme: um velho baixinho saindo de seu caminhão com um cigarro pela metade na boca e... uma barra de ferro na mão. Assim como eu, havia mais umas 5, 6 pessoas esperando o canhoto da nota fiscal para que pudessem ir embora. Todos observavam estupefados o velho se aproximar do portão e bater com barra contra o cadeado. Ninguém o impediu. E não era para menos, o velho quebrou o cadeado com os golpes, o que ele faria com alguém metido a besta?! Assim que arrebentou o cadeado, ele abriu o portão, voltou ao seu caminhão e foi embora.
É claro que isso tornou-se um problema mais tarde entre o velho, sua empresa e o mercado, mas para o meu texto é irrelevante. O que merece atenção não é o ato em si, mas o fato de surtar. Sim, não há nome melhor para a situação do que surto. Não foi a primeira vez que ele teve de esperar pelo fiscal. Quantas idéias, preocupações, aspirações, frustrações são necessárias para perder o controle de si mesmo?
Não passei em psicologia, mas, felizmente, a faculdade de administração tem aula desta fascinante matéria. Somos oprimidos o tempo todo. Em todas as relações humanas há relações de poder: o chefe, o pai, o colega que vai pagar a conta... podemos negar em nosso consciente, mas fato é que ali, naquele cantinho que você oprime no inconsciente, há e há muita mágoa.
É fato, sempre nos fica algo preso a garganta, é quase impossível falar tudo que realmente queremos, seja por educação ou por juízo (no caso do trabalho). A princípio temos desânimo, há coisas que queremos fazer e quando podemos, algo nos impede. Depois passamos a ter comportamento infantil frente a um problema. O nosso superego (o mediador entre o consciente e o inconsciente) faz o possível e o impossível para não perdermos o controle de nós mesmos. Mas uma hora ele não dá mais conta do recado.
As vezes é bom parar e pensar até onde se estende nossos limites de paciência, mas lá no fundo, deve ser maravilhoso pegar uma barra de ferro e quebrar o cadeado que nos prende.